Bets da Paraíba e caça-níquel online do RJ funcionam fora dos estados, contrariando lei federal
28/10/2025
(Foto: Reprodução) Bets da Paraíba e caça-níquel online do RJ funcionam fora do estado, contrariando lei
Sites de bets e caça-níqueis online regularizados pela Paraíba e pelo Rio de Janeiro funcionam além dos limites permitidos pela lei. O g1 testou seis plataformas de jogos online e conseguiu fazer apostas sem que o jogador estivesse nos respectivos estados, o que contraria a legislação federal.
📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça
A lei das bets, de 2023, autoriza a União, os estados e o DF a explorar os serviços de loterias, apostas de quota fixa e cassinos online. No entanto, as apostas devem ser feitas dentro dos territórios.
O Art. 35-A. da lei 14.790 diz: "Os Estados e o Distrito Federal são autorizados a explorar, no âmbito de seus territórios, apenas as modalidades lotéricas previstas na legislação federal."
Um apostador que mora no estado de SP não poderia jogar, por exemplo, em um site do Rio de Janeiro ou da Paraíba. Segundo o pesquisador Luiz César Loques, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio e autor do livro "Direito e regulação das apostas no Brasil", esse tipo de aposta é irregular.
"O primeiro problema é a concorrência desleal e uma chamada guerra entre os estados, o que não é bem-vindo. Se um estado X não respeita o limite de geolocalização do estado Y, eu estou criando um incentivo para se desrespeitar a regra", diz o especialista.
Loques diz que também é possível que as empresas cometam infrações administrativas ao abrir a plataforma para localização em outro estado, além de configurar quebra de um termo do contrato.
Prefeituras aprovam leis para criar mais de 70 loterias municipais; governo diz que são irregulares
Cidade de 2,3 mil habitantes suspende bets municipais após arrecadar R$ 8 milhões em 10 meses
Segundo Telma Rocha Lisowski, professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cabe aos estados fiscalizar se as empresas autorizadas respeitam as regras.
"Os estados podem fazer suas leis e decretos do Executivo [para definir] como vão funcionar os serviços de apostas e podem ter as penalidades em caso de descumprimento por parte das empresas", diz.
Apostas realizadas em sites do RJ e da PB
Reprodução
Procurada pelo g1, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SAP), do Ministério da Fazenda, afirmou que cabe a cada ente "a garantia do cumprimento dessa regra na exploração da atividade". Afirmou também que notifica União ou estados para a tomada de providências. "Em casos de descumprimento reiterado, há a possibilidade de acionamento da Advocacia Geral da União, para que medidas judiciais sejam tomadas", completou.
O g1 também questionou as empresas aprovadas pelos estados para saber se receberam alguma notificação, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O contato foi feito por meio do e-mail informado pelas empresas em seu registro à Receita Federal.
Checagem dos sites
O g1 tentou acessar 52 sites de bets e caça-níqueis estaduais apontados pelos estados como autorizados a funcionar e conseguiu fazer apostas em seis deles: 4 de 12 sites na Paraíba e 2 de 33 no Rio de Janeiro.
💡Tem uma ideia de reportagem? Mande sua sugestão para o g1
Para checar se era possível apostar nesses sites, o g1 fez depósitos mínimos nas seis bets, num total de R$ 80. As apostas foram feitas de São Paulo, como valores entre R$ 2 e R$ 7 nos sites registrados no Rio e na Paraíba. Os valores depositados não serão resgatados.
Em todos eles foi possível registrar um perfil, realizar um depósito (R$ 10 ou R$ 20, conforme o valor mínimo de cada casa) e apostar em partidas de futebol masculino no Campeonato Italiano, no Taça do Paraguai e na Copa Libertadores da América (enquadradas como quota fixa, as bets).
Superintendente da Loteria do Estado da Paraíba (Lotep), Francisco Petrônio de Oliveira Rolim, afirmou em nota ao g1 que a Lotep "mantém rotina permanente de acompanhamento e fiscalização por meio da Gerência Técnica e de Fiscalização (GTF) e do setor de Inteligência Estatal". Informou também que instaura procedimentos para apurar irregularidades.
"Confirmada a ocorrência, a Lotep notifica o operador lotérico para adoção das medidas administrativas cabíveis, podendo o processo resultar em advertência, suspensão, aplicação de multas e/ou revogação da autorização, nos termos da legislação estadual aplicável", disse.
A Lotep, da Paraíba, informa de forma pública que arrecadou R$ 1,7 milhão com as bets ao longo de 2025 e autoriza "fomentar ações e projetos" na saúde, educação, esporte, assistência social e segurança pública.
O governo do Rio de Janeiro não se pronunciou até a publicação da reportagem.
Outros sites abrem, mas acesso é negado
Ao todo, são 52 bets estaduais em funcionamento pelo país. Além dos seis sites em que é possível realizar apostas, outros 8 puderam ser acessados da cidade de São Paulo:
outros 4 no RJ;
2 no Paraná;
1 no Sergipe;
e 1 no Tocantins.
No entanto, não foi possível realizar cadastro nem apostar nestas oito plataformas. Os sites identificaram a localização do apostador e bloquearam a tentativa.
Sites que identificam localização do apostador e impedem o registro
Reprodução
O governo do Sergipe afirmou que o serviço de apostas da Lotese está "tecnicamente restrito ao território do estado" e que "adota postura de tolerância zero para irregularidades que violem a territorialidade autorizada".
De acordo com o governo do Paraná, os sites são fiscalizados e tanto plataformas quanto meios de pagamentos devem capturar a geolocalização e bloquear o acesso quando estiver fora do estado. O acesso é autorizado fora do estado, afirma, para apostadores realizarem saques de valores ganhos com apostas no PR mesmo sem precisarem estar presencialmente no estado.
"O site pode ser acessado de qualquer lugar do planeta, mas somente são permitidas apostas feitas no Paraná", diz o governo Ratinho Júnior (PSD).
Estados com bets
Cinco estados brasileiros possuem bets próprias em funcionamento atualmente: além de Rio de Janeiro e Paraíba, Paraná, Sergipe e Tocantins oferecem os serviços em sites próprios ou por meio de autorização a empresas privadas.
Maranhão e Minas Gerais possuem plataformas de jogos online, mas não oferecem bets.
Ao todo, 17 estados já têm leis aprovada para liberar apostas online, com ou sem as bets (veja no mapa acima). Amapá e Ceará, por exemplo, estão entre aqueles que alteraram a lei após 2023 para inserir a possibilidade de ter bets próprias.
O g1 apurou junto aos estados que Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e São Paulo estudam criar loterias locais — SP é o único estado a confirmar que não incluirá o serviço de bets.
Há também bets municipais pelo país, conforme levantamento do g1 identificar ao menos 70 cidades que aprovaram leis locais para explorar jogos online.
Até segunda-feira (27), a única em funcionamento era a bet de Bodó (RN), que arrecadou R$ 8 milhões em dez meses. No entanto, a prefeitura suspendeu os serviços em meio a um imbróglio legal com o Governo Federal.
*Colaborou: Artur Nicoceli
O que dizem as partes:
Loteria do Estado da Paraíba
Francisco Petrônio de Oliveira Rolim, superintendente da Lotep
"A autorização concedida pela Lotep se restringe ao Estado da Paraíba, em consonância com a legislação vigente. Ressalta-se, contudo, que a publicidade e o cadastramento de apostadores podem ocorrer em todo o território nacional, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a competência dos estados para explorar e regulamentar loterias locais.
A Lotep mantém rotina permanente de acompanhamento e fiscalização por meio da Gerência Técnica e de Fiscalização (GTF) e do setor de Inteligência Estatal. São monitorados o comportamento operacional e o cumprimento das normas por parte dos credenciados e autorizados.
Quando há conhecimento de qualquer indício de irregularidade, é instaurado procedimento de apuração para verificação dos fatos. Confirmada a ocorrência, a Lotep notifica o operador lotérico para adoção das medidas administrativas cabíveis, podendo o processo resultar em advertência, suspensão, aplicação de multas e/ou revogação da autorização, nos termos da legislação estadual aplicável.
A Lotep reitera seu comprometimento com a legalidade, a transparência e a integridade da gestão pública, mantendo atuação alinhada à legislação estadual e federal vigente e entendimentos do Supremo Tribunal Federal sobre o tema."
Governo do Rio de Janeiro:
O Rio de Janeiro não se pronunciou até a publicação da reportagem.
Governo do Paraná:
"Conforme edital de credenciamento (001/2023) da Lottopar, os concessionários estaduais só podem explorar o serviço de loterias e apostas dentro do estado do Paraná. Para atender a esse requisito, os concessionários integram seus sistemas à plataforma de gestão e meios de pagamentos contratados pela Lottopar, devendo capturar a geolocalização do apostador e reportar à plataforma.
Os domínios dos sites ficam disponíveis em território nacional e internacional, mas não permitem cadastros e nem apostas de pessoas localizadas fora do território paranaense. Ou seja, o site pode ser acessado de qualquer lugar do planeta, mas somente são permitidas apostas feitas no Paraná.
Pessoas que possuam cadastros realizados em território paranaense podem acessar sua conta fora do estado apenas para retirada de saldo, medida que visa proteger o direito do consumidor.
Os sites são fiscalizados constantemente pela Lottopar, especialmente os que têm licença no território paranaense. Até o momento, não há situações constatadas de sites que comercializam apostas fora do estado do Paraná. O descumprimento regulatório gera consequências e pode resultar na suspensão do site. Em caso de descumprimento contratual quanto à geolocalização, a Lottopar notificará a empresa, impondo prazo máximo de 48 horas para esclarecimentos ou regularização, e adotará as medidas jurídicas cabíveis.
A Lottopar arrecadou cerca de R$ 60 milhões entre outorgas fixas e trimestrais desde 2024.
O edital publicado em 2023 determinou uma outorga fixa de R$ 5 milhões para contratos de cinco anos. São dois modelos de outorgas: Outorga Fixa – que dá direto à exploração dos serviços - e Outorga variável - paga trimestralmente com base na operação do trimestre anterior.
Trimestralmente as concessionárias pagam para a Lottopar uma taxa de 6% da receita bruta do operador (GGR), classificados com os royalties. Desse total, 1% dos royalties são destinados para a manutenção da Lottopar e 5% para investimentos em áreas sensíveis como segurança pública, habitação popular e ações sociais."
Governo de Sergipe
"Embora o site da Lotese (empresa que tem a participação majoritária do Banco do Estado de Sergipe - Banese) possa ser acessado a partir de qualquer lugar do mundo, a Agrese esclarece que o exercício efetivo da aposta (registro da aposta, aceitação e liquidação) está tecnicamente restrito ao território do estado de Sergipe. Sistemas de autorização de transação impedem a efetivação de apostas quando a origem do jogo for identificada fora dos limites territoriais autorizados.
Para garantir a territorialidade da exploração e a integridade das operações, a Lotese, único operador autorizado a explorar loterias pelo estado de Sergipe, deve implementar e manter, entre outros, os seguintes controles técnicos e de conformidade (seguranças previstas no regulamento que está em aprovação):
Geolocalização por IP e dispositivo/móvel
Detecção e bloqueio de VPN
Coleta de informações sobre o dispositivo utilizado
Validação por múltiplos fatores,
Sistemas de KYC (Know Your Customer)
e soluções automatizadas de monitoramento e detecção de frautes.
Ao constatar operação ou oferta de apostas fora da territorialidade de Sergipe, a Agrese instaura procedimento técnico-administrativo, notifica o operador e estabelece prazo para adoção de medidas técnicas imediatas e para regularização documental, observando o contraditório e a ampla defesa. Persistindo a irregularidade ou em caso de reincidência, a agência aplica sanções progressivas (advertência, multa, suspensão, revogação da autorização), sem prejuízo de outras medidas administrativas ou judiciais cabíveis."
Secretaria de Prêmios e Apostas (SAP), do Ministério da Fazenda
"Na prestação do serviço público de aposta de quota fixa, é determinação legal que a competência para regulação e autorização da atividade, em âmbito nacional, seja do Ministério da Fazenda. A Lei possibilita aos estados e ao Distrito Federal tal atividade, desde que no âmbito de seus territórios.
Cabe ao ente, que explora ou outorga este serviço, a garantia do cumprimento dessa regra na exploração da atividade. Contudo, uma vez identificada a exploração de forma ilegal, extrapolando os respectivos territórios, a SPA/MF notifica o ente responsável, para a tomada das devidas providências. Em casos de descumprimento reiterado, há a possibilidade de acionamento da Advocacia Geral da União, para que medidas judiciais sejam tomadas.
O problema legal é o descumprimento do que diz expressamente o art. 35-A da Lei nº 14.790, de 2023, que estabelece que “[os] Estados e o Distrito Federal são autorizados a explorar, no âmbito de seus territórios, apenas as modalidades lotéricas previstas na legislação federal”, resultando, ainda, em exploração de um serviço público estadual fora do território do estado, em oposição ao Pacto Federativo, previsto na Constituição.”
Por fim, reforçamos que a área de fiscalização da SPA/MF analisou os sites listados e constatou que quatro deles, dos estados do Paraná, Sergipe e Tocantins, cumprem a legislação, pois, embora possam ser acessados, não permitem cadastros ou apostas fora de seus territórios."