Técnicas de memorização no Enem: o que realmente funciona e quando não usar
21/10/2025
(Foto: Reprodução) 'Vale Tudo' no Enem: morte de Odete vira questão de matemática; qual seria sua nota?
Nas últimas semanas de estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o senso de urgência pode levar o aluno a adotar estratégias que mais prejudicam do que ajudam, como a popular "decoreba".
A memorização é um dos pilares do estudo, mas trata-se de um caminho bem mais complexo do que apenas gravar informações aos montes. Especialistas ouvidos pelo g1 explicam como esse processo acontece no cérebro e em quais situações é válido decorar um conteúdo para a prova – e também quando evitar.
📆 O Enem 2025 será aplicado nos dias 9 e 16 de novembro. No primeiro domingo de provas, os candidatos encaram Linguagens, Ciências Humanas e redação; no segundo, será a vez de Matemática e Ciências da Natureza.
Como o cérebro memoriza e o que prejudica esse processo
A memorização é um processo mental e ativo que acontece principalmente no hipocampo, localizado no lobo temporal. Ela envolve três etapas principais: a codificação, o armazenamento e a recuperação.
🧠 Quando aprendemos algo novo, o cérebro cria conexões entre neurônios. São as chamadas sinapses. "Se esse conteúdo é revisado e usado, essas conexões se fortalecem – é a chamada potenciação de longo prazo (PLP)", explica Robson Batista Dias, psicólogo especialista em neuropsicologia e professor de pós-graduação da Rhema Neuroeducação.
Quanto mais o estudante retoma e aplica o conteúdo, mais estáveis são as conexões e mais fácil fica resgatar aquele conhecimento mais tarde.
"O cérebro precisa ser treinado. Cada vez que revisamos, sinalizamos ao cérebro que aquela informação é importante, o que consolida o aprendizado e reduz o esquecimento", explica Dias.
Por outro lado, quando o estudante apenas “decora” um conteúdo, sem associação de significado, o cérebro guarda a informação como se fosse uma anotação provisória, na memória de curto prazo. Ela tem capacidade limitada, e o que é registrado tende a ser esquecido em poucos dias.
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Ou seja: na ânsia de dar conta do grande volume de matérias antes da prova, o candidato pode acabar complicando o próprio desempenho. Isso porque, além das conexões serem mais frágeis, há um limite para a quantidade de informações que o cérebro consegue reter em um curto período.
"Decoreba" no Enem: especialistas explicam como a memorização acontece no cérebro e quando funciona (ou não) nos estudos.
Freepik
Aprender é apenas uma das etapas da memória. Para que uma informação seja de fato armazenada, outros processos cognitivos devem acontecer – e muita coisa pode interferir em todo esse caminho.
💤 É durante o sono que o cérebro consolida o que foi aprendido. Por isso, segundo Dias, o sono de má qualidade é o principal vilão nesse processo. Outros fatores que também atrapalham são:
sobrecarga de estudos sem pausas adequadas, resultando em fadiga cognitiva;
estresse e ansiedade, que elevam o cortisol e dificultam o registro das informações;
falta de rotina e organização, que impede o cérebro de criar previsibilidade e foco;
hábitos multitarefas, como querer estudar enquanto mexe no celular, que reduzem a profundidade da atenção.
Como reconhecer as competências avaliadas na redação do Enem
Técnicas de memorização que funcionam
🛑 Métodos puramente mecânicos e repetitivos, como reler o mesmo trecho várias vezes sem refletir sobre o conteúdo, "podem até ajudar um pouquinho, mas compreender e aplicar é o que consolida e garante o sucesso na aprendizagem", lembra Dias.
Por isso, quando for realmente vantajoso memorizar informações de uma disciplina, prefira estratégias comprovadas por evidências científicas. Dias destaca algumas, ideais para semanas que antecedem o Enem, pois fortalecem a memória de longo prazo e reduzem a necessidade de "maratonar" conteúdos na véspera:
prática de recuperação (ou "resgate ativo"): tentar lembrar o conteúdo sem consultar o material (com flashcards, resumos mentais e resolução de exercícios);
revisão espaçada: revisar o conteúdo em intervalos progressivos de tempo (1 dia, 3 dias, 7 dias…);
elaboração: explicar o conteúdo com as próprias palavras, conectando com experiências pessoais.
Quando usar – e quando não usar
Embora a prova do Enem contemple a extensa bagagem do ensino médio, é também bastante contextualizada. As questões valorizam a interpretação como principal habilidade.
"A memorização isolada não substitui a compreensão. Ela perde a efetividade quando o conteúdo exige raciocínio e aplicação, não apenas lembrança – caso do Enem", destaca Dias.
André Ricardo de Castro, autor de Química e diretor do Colégio Fibonacci, confirma que a simples "decoreba" não é útil para esse modelo de prova. "As questões visam aferir habilidades e competências. Datas específicas ou nomes complexos raramente foram exigidos nas edições do exame desde 2009", ressalta.
Determinadas disciplinas ou conteúdos podem até se beneficiar dessa estratégia, mas em momentos pontuais. Castro destaca, por exemplo, que certas fórmulas de física e termos da biologia e da química precisam ser gravados para a prova de Ciências da Natureza.
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Nesses casos, como já vimos, o melhor caminho é criar associações com algo que o aluno já domine. "Se isso não for possível, a criação de histórias e mnemônicos é útil, desde que sejam desenvolvidos pelo próprio aluno, pois isso facilitará a memorização", sugere o professor.
➡️ Mnemônicos (ou macetes) são aquelas associações que facilitam o resgate da informação, como palavras, frases, siglas, imagens ou rimas.
Por outro lado, a prova de Matemática, por exemplo, trabalha a resolução de problemas a partir do raciocínio lógico. "Decorar alguns supostos atalhos pode induzir o aluno a caminhos errados, consumindo tempo de prova ou encaminhando a resposta para um dos distratores (alternativas incorretas)", ressalta Castro.
Também não é vantajoso para a prova de Linguagens. "É sempre muito interpretativa e nunca exigiu conhecimentos gramaticais complexos. Não faz nenhum sentido decorar regras gramaticais e ortográficas para resolvê-la", acrescenta o professor.
Vale destacar, ainda, a redação. Conforme a Cartilha de Redação 2025, o candidato que utilizar o chamado "repertório de bolso" na argumentação do texto pode perder pontos. O exame espera que o aluno apresente exemplos que combinem com o tema, e não ideias e modelos previamente decorados para encaixar em qualquer proposta.
Redação do Enem: como usar repertório sociocultural sem “forçar” ou cair em modelos prontos
🚨 Cuidado com os truques do TikTok. Isso pode criar uma falsa sensação de preparo ou até prejudicar o estudante.
"Não há atalhos para um alto desempenho. Os 'macetes' e dicas distribuídos pelas redes sociais não são capazes de desenvolver as habilidades e competências adquiridas em 12 anos de educação básica", avalia André Castro.
Para o professor, tais artifícios levam, no máximo, ao acerto de uma ou outra questão – com muita “sorte”.
O impacto na nota seria pouco significante, considerando que a prova apresenta 180 questões objetivas e que a pontuação final é calculada pela Teoria de Resposta ao Item, um modelo estatístico que valoriza a coerência pedagógica em vez de itens acertados ao acaso.
🤨 É importante também verificar a fonte, ou seja, quem está produzindo o conteúdo. "Há professores que publicam materiais de qualidade nas redes sociais, mas também influenciadores que, apesar de famosos, não são especialistas nem entendem da preparação para esse tipo de exame".
"É preferível passar menos tempo nas redes e mais tempo se dedicando aos estudos, utilizando técnicas mais eficazes", acrescenta Castro.